Rousseau e a propriedade privada



A Teoria rousseauniana da Propriedade Privada e o consequente
surgimento da Desigualdade Social
Aline de Oliveira Rosa
Orientador: Ericson Sávio Falabretti

1. Objetivo

A propriedade privada restabeleceu uma superioridade entre os homens e uma desigualdade entre eles. Rousseau dizia que o homem como ser natural é corrompido pela sociedade e sua desigualdade. O homem corrompido passa a agir com a força, transformando o Estado em uma sociedade violenta, criminalizada e obscura, sem justiça social. Diante disso, quais são as consequências que a propriedade privada causou no homem e em suas relações com a sociedade como um todo?
O objetivo geral dessa pesquisa é revelar qual a função da propriedade, que consequências a propriedade privada, geradora da desigualdade social, trouxe ao homem numa perspectiva rousseauniana.

2. A Propriedade e a desigualdade social na visão rousseauniana

Rousseau em sua obra Discurso sobre a Origem e os fundamentos da Desigualdade entre os homens afirma que o homem é naturalmente bom, nasceu bom e livre, mas sua maldade ou sua deterioração adveio com a sociedade que, em sua pretensa organização, não só permitiu, mas impôs a servidão, a escravidão, a tirania e inúmeras leis que favorecem uma classe dominante em detrimento da grande maioria, instaurando a desigualdade em todos os segmentos da sociedade humana.
O homem vivia em seu estado natural, sem estar vinculado a uma sociedade ou sujeitos a leis. Os homens não tinham nenhuma espécie de relação moral e nem de deveres conhecidos. E é nesse estado natural do homem que Rousseau define ser propício à paz entre os homem. A concepção rousseauniana da política estabelece uma trajetória de “evolução” da organização social, com a criação da propriedade privada e a formação da sociedade, o homem passa do seu estado de natureza para um estado civil.
O homem natural de Rousseau vivia bem, a natureza reinava soberana, pois a condição humana desempenhava apenas as suas funções vitais, a terra era de todos e por tanto para sua produção para consumo, mas com o surgimento da propriedade, com a passagem desse homem natural para um homem civil, ocorre um desengate entre o homem e o mundo, sua “desnaturalização”, o homem sendo corrompido pela sociedade, o homem passou a admirar as terras como prova de poder, de reconhecimento entre os homens e assim abrindo espaço para a dominação pela força, gerando a desigualdade.
Rousseau diz que os sinais representativos da riqueza consistiam em propriedades e animais e quando não se tinha mais espaço as terras do lado, uns queriam as terras dos outros e prosperar a custas dos outros. Quando isso aconteceu, houve então a vontade humana de querer-se dominar uns sobre os outros.

Antes que tivessem inventado os sinais representativos das riquezas, elas só podiam consistir em propriedades e animais, os únicos bens reais que os homens podiam possuir. Ora quando as heranças cresceram em números e em extensão, a ponto de cobrir todo o solo, e tocaram-se umas às outras, uns só puderam prosperar a expensas dos outros, e os supranumerários, que a fraqueza ou a indolência tinham impedido por seu turno de as adquirir, tendo se tornado pobres sem nada ter perdido, porque, tudo mudando à sua volta, somente eles não mudaram, viram-se obrigados a receber ou roubar sua subsistência da mão dos ricos. Daí começaram a nascer, segundo os vários caracteres de uns e de outros, a dominação e a servidão, ou a violência e os roubos.(ROUSSEAU, 1978, p. 267-268)

Assim os mais poderosos fazem de suas forças uma espécie de direito ou bem alheio, sujeitando tudo ao poder legitimado pela propriedade. Tornando os homens ambiciosos e maus.

Ergueu-se entre o direito do mais forte e o primeiro ocupante um conflito perpétuo que terminava em combates e assassinatos. A sociedade nascente foi colocada no mais tremendo estado de guerra.”(ROUSSEAU, 1978, p. 268)

Rousseau faz uma crítica ao sistema da propriedade privada e é contra esse sistema de dominação entre os homens, que deixa de lado o princípios, a justiça e os valores éticos. Os valores humanos foram deturpados por uma sociedade hipócrita e vazia que privilegia o ter, o dominar, o conquistar, o poder conquistado através da propriedade privada. Na segundo parte do livro Discurso sobre a desigualdade, Rousseau ao relatar os males que constituem o primeiro efeito da propriedade e o impulso a desigualdade, coloca a propriedade privada como consequência de uma desigualdade, mas não desvincula a propriedade dos homens, Rousseau ainda diz que a propriedade e os animais é um dos bens reais que o homem pode ter. Mas para Rousseau vale mais o homem e suas necessidade, como irmãos próximos, do que o enriquecimento por meio da propriedade. Rousseau aponta que a desigualdade está na má distribuição da propriedade, uns perecem e outros tomam a mão inúmeras propriedade:

Os enriquecidos só pela indústria não podiam basear sua propriedade em melhores títulos. Por mais que dissessem: “fui eu quem construiu esse muro; ganhei este terreno com meu trabalho”, outros poderiam responder-lhes: “Quem vos deu as demarcações, por que razão pretendeis ser pagos a nossas expensas, de um trabalho que não vos impusemos? Ignorais que uma multidão de vossos irmão perece e sofre a necessidade do que tendes a mais e que vos seria necessário um consentimento expresso e unânime do gênero humano para que, da subsistência comum, vos apropriásseis de quanto ultrapassasse a vossa?”(ROUSSEAU, 1978, p. 268)

Através da propriedade privada o homem passou a ser escravo do seu trabalho, o poder passou a ser vinculado a posse de propriedades, de terras, de bens. A sociedade constituída em hierarquia entre os homens, fez do homem sujeitos uns escravos que trabalham para outros que se diziam patrões por possuírem propriedades. Uma relação de ricos (proprietários) e pobres (não proprietários).
Rousseau define como sendo a propriedade privada a responsável pela desigualdade social pelo fato de colocar sobre o homem um hierarquia de poder, que provem da aquisição de bens e da propriedade. Cria-se uma concepção de sociedade desigual e de injustiça social, havendo uma dominação entre os homens, onde os privilégios pertencem aos mais ricos, mais poderosos.
Segundo Rousseau, a origem das desigualdades entre os homens está no ato do primeiro ocupante ao estabelecer a posse de determinada área de terra. Segundo afirma:

O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!” (ROUSSEAU apud HENKES, 2008, p.3)

Rousseau não tenta eliminar a propriedade privada, mas sim acabar com a excessiva desigualdade de patrimônio e dar direito a todos os cidadãos, não como uma conquista de trabalho como condenação do homem, mas como seu direito:
Todo o homem tem naturalmente direito a tudo que o lhe é necessário; mas o ato positivo que o torna proprietário de algum bem o exclui de todo o resto; estando feita a sua parte, a ela se deve limitar, e não tem mais direito à comunidade. Eis por que o direito de primeiro ocupante, assaz débil no estado de natureza, é para todo homem civil, respeitável.(ROUSSEAU, apud HENKES, 2008, P.4).
Com a desigualdade vieram as moradias precárias, salários mau remunerados, jornadas de trabalho excessivas, exploração de mão de obra infantil e a má divisão de terras. No Discurso sobre a origem da desigualdade, Rousseau cria a hipótese segundo a qual os indivíduos viviam, sadios, bons e felizes em estado de natureza, cuidando de sua própria sobrevivência, até o momento em que surge a propriedade e uns passaram a trabalhar para outros gerando escravidão e miséria, gerando então, uma desigualdade social a partir da distribuição de terras, de bens e propriedades.
A partir das condições apresentadas ao homem, na sociedade como um todo, ele passa, então, a produzir e ter uma vida social de acordo com os seus meios – suas condições de trabalho, propriedade, educação e direitos.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), por exemplo, têm como uma de suas principais funções questionar e rever os direitos de propriedade e promover a justiça social, seus principais objetivos são:

1. Construir uma sociedade sem exploradores e onde o trabalho tem supremacia sobre o capital; 2. A terra é um bem de todos. E deve estar a serviço de toda a sociedade; 3. Garantir trabalho a todos, com justa distribuição da terra, da renda e das riquezas; 4. buscar permanentemente a justiça social e igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais; 5. Difundir os valores humanista e socialista nas relações sociais; 6. Combater todas as formas de discriminação social e buscar a participação igualitária da mulher. (MST, 2011)

O movimento se contrapõe à propriedade privada como forma de permitir o fim da desigualdade social. Para isso promovem ações como as ocupações de terras, cuja finalidade não é apenas distribuir terra aos trabalhadores rurais mas fundamentalmente questionar o modelo da propriedade privada.

3. Discussão da propriedade rousseauniana

Dalpicolo (2006), aponta que a desigualdade social não seria proveniente de uma sociedade criada a partir da propriedade privada e que a origem do homem mal não está presa ao nascimento da sociedade humana. A origem da desigualdade social, o que especifica como a luta entre o homem e o mundo, é na verdade um apelo para a sua reconciliação, uma vez que esta corresponde ao conhecimento final que esse homem tem de si mesmo, em que tudo se resolve com o autoconhecimento. ''Não basta ao homem se enxergar para se ver, pois este homem que se enxerga crê em qualquer coisa: é Sócrates que obriga tal homem a reconhecer que nada sabe” (Gouhier, apud Dalpicolo, 2006, p.3).
No entanto, Dalpicolo (2006) em A genealogia da moral no segundo Discurso de Jean-Jacques Rousseau expõe que o acúmulo de conhecimento que o homem tem do meio circundante não significa necessariamente o conhecimento de si próprio, dado que a realização deste depende da intenção que o rege. Um mal uso de do conhecimento e da cultura na sociedade transformam o homem bom em um homem mal, tornando-o estranho a sua natureza, pois tenta apropriar-se indevidamente do meio que o cerca.
Dalpicolo diz que para ele a mensagem final do Discurso sobre a desigualdade entre os homens é que toda forma de desigualdade fundamentada pelo homem é arbitrária, já que ele é incapaz de adequar-se a sua natureza essencial.
Ciriza (2006), mantem um estranho equilíbrio entre a força da vontade geral inalienável o interesse individual; entre a defesa da propriedade e a regulação do abuso dos poderosos; entre a igualdade perante a lei, sustento da ordem democrática, e a afirmação de um mínimo de igualdade real como condição e funcionamento do pacto e garantia de inclusão dos mais desprotegidos. Ao situar a igualdade jurídica no centro da ordem social, como forma de ir contra a desigualdade dos homens, acabando com a desigualdade em toda sociedade em que a propriedade funda a diferença de classes.
Portanto, nesse aspecto, a igualdade perante a lei é um requisito indispensável para o funcionamento do contrato, implica precisamente que o sujeito do qual se trata é produto de um conjunto de operações de exclusão. Cidadão e burguês convivem no mesmo corpo quase sem se tocarem mutuamente. As leis são criadas para atuarem nas relações reais de desigualdade baseadas na propriedade, na diferença sexual, na raça, isto é, nos espaços de tensão impossíveis de solucionar pela via do acordo racional.
Ciriza (2006) afirma em A propósito de Jean Jacques Rousseau: contrato, educação e subjetividade que a lei tem seu papel fundamental de estabelecer moderações e limites as articulações entre construção da ordem política, educação cidadã e subjetividade, a fim de entender os desajustes que fizeram e ainda fazem possível o encanto duradouro do contrato, sua sedução como imagem de uma ordem social capaz de manter um estranho equilíbrio entre a força da vontade geral inalienável e o interesse individual; entre a defesa da propriedade e a regulação do abuso dos poderosos; entre a igualdade perante a lei, sustento da ordem democrática, e a afirmação de um mínimo de igualdade real como condição e funcionamento do pacto e garantia de inclusão dos mais desprotegidos.
Sahd (2003) diz que diferentemente de Locke, Rousseau defende a propriedade limitada, mas como apropriação para ser legítima e que deve seguir um preceito importante: não conceber a defesa da propriedade desigual. Pelo contrário, é um defensor da sociedade de pequenos produtores, Jean-Jacques condena firmemente a relação salarial e a desigualdade social que a propriedade privada fermenta.
Para Sahd (2003), o problema da manutenção do corpo político está ligada ao mau manuseio do estado e sua legislação, colocando a legislação como principal meio de permitir que haja uma igualdade entre os homens e também dar soluções às necessidades materiais do Estado, sem ferir “o mais sagrado de todos os direitos dos cidadãos”, a propriedade privada. Conciliando a conservação da vida e oferecendo uma garantia segura aos compromissos sociais.
A legislação é constituída com a participação dos cidadão, onde a legislação opera corretamente sem nenhum “afrouxamento da soberania” (o enfraquecimento do governo), onde o estado tem direito e dever de intervir na propriedade sendo distribuída a todos os cidadãos do estado.
Rousseau não quer destruir a propriedade e nem acabar com ela, mas seu objetivo é tenta conciliar a propriedade do produtor independente, que domina os meios de seu trabalho, com a propriedade comum e de uso. Rousseau insiste que o reforço e extensão dos bens comuns parecem o único meio para preservar a igualdade. Rousseau coloca limites no uso da propriedade privada, limitando a expansão de terras e limites bem precisos para os meios de sua aquisição para que não se coloque em perigo a igualdade da comunidade.
Defender os bens comuns não implica a supressão da propriedade privada, mas evitar a concentração de terras, o desenvolvimento da desigualdade e a degradação dos camponeses pobres. Supõe, ainda, assegurar um pedaço de terra a cada camponês para manter a sua família. Significa, também, evitar a proletarização e a miséria dos migrantes nas periferias das cidades.
Dessa forma, a propriedade precisa ser direito de todos, para que não haja uma desigualdade social e que não haja acúmulos de propriedade na mão de um único homem.
É a esse aspecto que eu me prendo a minha pesquisa, da propriedade derivou-se a desigualdade social entre os homens, cabe agora definir quais são as consequências, numa visão rousseauniana, que a propriedade privada causou no homem e em sua relação com a sociedade.

4. Metodologia

A metodologia aplicada a esta pesquisa será por meios de leitura das obras primárias do filósofo Rousseau, análises dos textos secundários como artigos e publicações.
E também vinculado a frequente presença nos grupos de estudos sobre o assunto usado na pesquisa, levantando portanto as anotações orientadas pelo orientador.
5. Cronograma

Cronograma de atividades do projeto para um período de 6 meses:


Etapa
Jul
Ago
Set
Out
Nov
Dez
Pesquisa de bibliografias relacionadas à obra de Rousseau
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Leitura e fichamento de bibliografias
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Análise de textos
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Estudo de metodologias

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Entrega de relatório


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Entrega dos resultados da pesquisa





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Elaboração de artigo





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6. Referências

BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro: Campus, 1991.


CIRIZA, Alejandra. A propósito de Jean Jacques Rousseau: contrato, educação e subjetividade. En publicacion: Filosofia política moderna. De Hobbes a Marx Boron, Atilio A. CLACSO, Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales; DCP-FFLCH, Departamento de Ciencias Politicas, Faculdade de Filosofia Letras e Ciencias Humanas, USP, Universidade de Sao Paulo, 2006.


DALPICOLO, André. A genealogia da moral no segundo Discurso de Jean-Jacques Rousseau. Disponível em: <http://www.sens-public.org/article.php3?id_article=254>. Acesso em 12 abr. 2011.


GOHN, MARIA DA GLÓRIA. Mídia, Terceiro Setor e MST. Petrópolis, Vozes, 2000.


HENKES, Ricardo Augusto. Rousseau e o Direito de Propriedade. Revista Espaço Acadêmico, n. 89, outubro de 2008.


MST. Objetivos. Disponível em: <http://www.mst.org.br/historico/objetivos.html> Acesso em 12 abr. 2011.


ROUSSEAU, JEAN-JACQUES. Contrato social. Discurso sobre a desigualdade. In: Obras. Coleção “Os Pensadores”. São Paulo, Abril, 1979.


ROUSSEAU, JEAN-JACQUES. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdades entre os homens. Brasília: UnB, 1989.


SAHD, Luiz Felipe Netto de Andrade e Silva. Rousseau e a Administração dos Bens. Trans/Form/Ação, São Paulo, 26(1): 141-159, 2003